Aqui, você confere a reportagem na íntegra:
Um romance Down
Filme do interior gaúcho quer abordar a sexualidade dos portadores da síndrome
O primeiro beijo gera sempre um misto de medo e euforia para qualquer garota, que é capaz de tropeçar nas tantas indagações que formula a si própria e às amigas: faço o que com a língua? Que gosto tem? E se ele usa aparelho?
Agora imagine se esse primeiro beijo, em vez de rolar naturalmente, estiver programado para acontecer, com data e hora marcada, e não em um recanto íntimo, mas em frente a câmeras de vídeo e uma equipe de gravação.
E imagine se você tiver que falar sobre isso não para alguém da sua patota, mas para um jornalista – ou seja, uma pessoa que, supostamente, vai detectar e documentar cada reaçãozinha – e na presença de sua mãe.
Por fim, imagine ser uma pessoa dona de uma enorme afetividade, mas para quem, aos olhos dos outros, o ato de extravasá-la em namoro, sexo e afins costuma ser um enorme tabu.
Pronto: você está na pele de Adriele Lopes Pelentir, uma garota com síndrome de Down que vai protagonizar um filme romântico.
Esse contexto explica o frisson que marca a conversa com Adriele, 23 anos, sobre Cromossomo 21, filme independente que deve começar a ser rodado em outubro, em São Luiz Gonzaga. É um triângulo amoroso entre a Down Vitória, um cara “normal” e um outro rapaz com um cromossomo a mais (interpretado pelo porto-alegrense Fernando Moreira Barbosa, 21). A sinopse promete, como “diferencial do projeto”, abordar um tema inédito no cinema, a sexualidade dos portadores da síndrome – o que não é lá tão verdade: o belo drama franco-belga O Oitavo Dia (1996) sugeriu uma cena de sexo entre Downs; o premiado documentário brasileiro Do Luto à Luta (2005) acompanhou dois jovens às vésperas do casamento e após a lua de mel.
– Não queremos provocar polêmica, mas reflexão – ressalta o diretor do longa, Alex Duarte, que, por meio de rifas e promoções, ainda busca apoio financeiro para captar os R$ 30 mil previstos no orçamento (interessados em ajudar podem acessar o site www.cromossomo21.com.br).
Publicitário de 23 anos formado na Unijuí, Alex conta que, no Interior, uma névoa de preconceito e vergonha ainda encobre a questão do Down. “Existem famílias que escondem os filhos em casa”, afirma. Sua protagonista, Adriele, acrescenta:
– Este filme mostra que nós somos capazes de ser felizes.
Apesar da pouca idade, Alex já tem um currículo. Em 2002, com apenas 16 anos e R$ 300 no bolso, realizou – em VHS – o suspense O Quinteto, que em 2003 ganhou continuação, Jovens em Pânico. Depois de mais duas ficções, ele dirigiu em 2009 o documentário Unidos para o Amanhã, sobre a homônima ONG de São Luiz Gonzaga que reúne pais de portadores de Down.
Foi então que conheceu Cleusa Lopes e sua filha Adriele, hoje parceira de baladas de Alex. Ativa e comunicativa, Adriele ganhou um documentário para chamar de seu: A Hora da Estrela (título dado por ela mesma), sobre o atribulado dia a dia da garota – aluna de Fisioterapia na URI, ela também faz ou já fez natação, balé, capoeira, piano, tricô e equoterapia, e mantém uma rede de amizades via Orkut, MSN, Twitter, celular. Adriele guarda ótimas recordações da exibição do curta em um festival de Vitória (ES).
– Todo mundo ficou pasmo. Quando terminou, gritaram meu nome. Chorei de alegria.
Após a sessão, houve uma festinha.
– Fomos eu, minha mãe e o Alex. Tinha um rapaz que queria ficar comigo. A mãe queria que eu voltasse para o hotel com ela, mas esperneei e continuei na festa. Ele era de uma banda, não sei o nome dele. Pediu para ficar comigo. Eu disse: “Não quero”. Ele perguntou por quê. “Porque tu bebe demais e fuma”.
Cleusa, a mãe de Adriele, diz que o roteiro de Cromossomo 21 a pegou meio de surpresa. Não ficou assustada, mas preocupada, pois, ainda que Adriele tenha amigos homens e que o papo sobre namoro não seja proibido em casa, “a ficha não tinha caído”.
– A Adriele está indo em uma psicóloga. Queremos que ela entenda a diferença entre a realidade e a ficção, entre a vida dela e o papel que vai desempenhar no filme.
Adriele ainda não ensaiou a cena do beijo – aliás, diz que só vai dá-lo na cena propriamente dita, e em uma única tomada.
– Não – retruca Alex. – Tem ensaio. Tu sabes.
– Ai, Alex, não me deixa mais constrangida do que já estou!
No que o fotógrafo de ZH avisa que o estúdio já está pronto para ela e Fernando, Adriele joga fora o encabulamento e cata na bolsa o batom para pintar os lábios que um dia hão de beijar, pois que Adriele é vaidosa – como qualquer garota.